sábado, 30 de maio de 2009

Uma boa história para lembrar dos velhos tempos.

O amor da morena.

O sino da igreja nunca bateu tão forte como naquela tarde de outono. Não era missa de comemoração de algum santo e nem discurso do xerife, mas a praça, que ficava em frente à igreja, estava repleta de curiosos que, com os olhos esbugalhados esticavam o pescoço em busca de alguma visão. Curiosos.
A notícia do duelo espalhou-se velozmente pela cidadezinha, característica única de cidade do interior. Duelo sempre resulta em morte, do mais fraco, ou do mais forte e mesmo assim o padre, o xerife e a dama, que era disputada, também estavam lá. Via-se que para tal fato nem Deus, nem a lei e nem a beleza de uma linda mulher faria parar tal ato de violência e crueldade. Mas era necessário, eram muitos que se faziam presentes para assistir a cena, em um milésimo de segundo tal crueldade virava um espetáculo.
O padre, além do mais, já recitava baixinho suas preces para que a alma do defunto fosse para um bom lugar, antes mesmo que o dito estivesse morto. Na sua mão estava lá, o terço, que compassava as preces, para que não virasse balburdia e excesso de preces nos céus.
O xerife, demasiado asseado e com o bigode lambido, falava com alguns garotos sobre suas astúcias que nos anos de sua longa jornada de xerife já tinha presenciado e cometido. Os garotos com os olhos atentos aos lábios do xerife que falava sobre saqueadores e bandidos do velho oeste, sonhavam alto, imaginavam-se como o dito que estava a sua frente. Queriam também ser xerifes. Mas o bigodudo estava apenas vangloriando sua posição de mantenedor da ordem e progresso da cidadezinha.
A donzela disputada no duelo estava pomposa na sua exuberância. Mesmo os jovens que escutavam as estórias do xerife só se distraíam quando a morena balançava seus cabelos negros. Os olhos dos homens casados passavam e ficavam por alguns instantes, que se tornavam infinitos, quando ela passava. Era linda. Era mesmo um motivo de duelo.
O desafiante foi o primeiro a chegar, mesmo por que era conhecido por todos na cidade. Rapaz jovem, saudável e quando veio a praça lançou um olhar incandescente para a donzela. Olhar como de quem diz, “-A vitória é minha”. Depois pediu a benção ao padre e saudou o xerife com um caloroso aperto de mão. Como disse antemão era conhecido por todos e sua fama de valente a qual corria pelos boatos da cidadezinha.
Quando menos esperavam aquele bando de curiosos lançaram um olhar no horizonte da rua. Lá estava. O desafiado que com a cabeça baixa se achegava como se estivesse contando seus próprios passos. Não era possível identificar se estava tão seguro ou se estava com medo. Era magro, alto e trazia consigo uma rosa amarela que se fazia levemente entrelaçada entre seus dedos.
Os espectadores começaram a movimentar-se. Cada qual procurou o seu lugar para assistir ao confronto. A roda se abria, e o ritual de aproximação do desafiado já fazia parte do espetáculo. Algumas donzelas desmaiaram com tamanho romantismo e drama que o cavalheiro carregava na lentidão dos seus passos. A Linda morena havia se sensibilizado a ponto de já estar entregue a ele, mas seria injusta com a consciência da sociedade que estava ali para não deixar que alguma mentira impedisse o confronto. Teria ela de assistir o combate, e aceitá-lo plenamente.
A cada badalada do sino, um passo de aproximação. O relógio da igreja anunciava com o seu tique-taque o momento do embate. Seis horas em ponto. O dia já se demonstrava pálido e entregue. A noite abrandadora chegava e escurecia as expressões de todos na praça. Não se sabia se o xerife estava realmente orgulhoso ou se temia algo. Não se sabia se Seu Ernesto, dono do bar, estava apavorado ou curioso. Não se sabia se a donzela estava atônita ou apreensiva. O jogo das sombras e faces não permitia leitura nenhuma de sentimentos. A praça se tornou um cenário de seres sem personalidade. Uma convenção de fantoches.
Perfurando a atmosfera poeirenta da praça, os dois homens, enfim, tomaram posição de combate. Antes disso, o desafiado lançou a rosa aos pés da donzela. Com o rolar na terra seca, as pétalas que eram amarelas e radiantes, receberam uma camada lúgubre de poeira. Eram as lágrimas do moço que haviam embebido a flor. Foi uma maneira que Ele encontrou para deixar claro que a sua expressão – escondida pelo chapéu negro que trazia ao cabeçar – era de profundo amor e dolorosa paixão.
A donzela, com o peito em espinhos, beijou a rosa e sentiu a pele do Rapaz. Sentia-se mal por ser tão linda e um bem social. Sentia-se demasiadamente intranqüila por permitir um duelo daqueles onde o produto final era Ela. Em verdade, sentia-se um objeto de mérito.
O desafiante vendo que o rapaz estava sem armas lançou fora sua cartucheira e seu trinta e oito, queria que o duelo fosse ao braço. Fez tal encenação por honra, mas sabia ele no íntimo do seu ser que queria descarregar um balaço nos olhos daquele desvairado que se submetia a um duelo sem armas apenas com uma rosa. Para todo efeito não entendeu que a arma do louco era a própria rosa, que já havia roubado mesmo antes do duelo o amor da morena.
Quando os dois colocaram-se faces a frente uma das outras, trocaram olhares profundo, mas diferentes. O desafiante, que estava com o peito estufado, respirou forte lançando o bafo quente na face do que já se fazia dono do coração da doce jovem. O rapaz devolveu tal ato com um olhar fixo nas botas do desafiante, como desviasse o olhar por medo. Ou seria por prepotência e deboche.
Frustrando todos aqueles que estavam a olhar a cena e que esperavam a sangria a doce morena compadeceu-se. Interrompeu a luta antes que os dois rolassem ao chão. Sua consciência chegou ao limite extremo. Não queria ela ser disputada aos socos e ponta pés.
Coitada, a morena teve um triste fim. Foi para a cela. O xerife, alegando transtorno ao divertimento público, prendeu a garota. O padre apoiou tal ato do xerife dizendo que Deus é o único capaz de intervir em uma batalha entre homens. Há quem diga que a moça, durante os dias em que estava presa, recebia diariamente rosas e poesias pela janela da cela.
Após sair da cadeia a doce Morena que se chamava Maria fugiu. Mesmo por que se viesse a caminhar pela praça pública seria no mínimo espancada por aqueles que se frustraram por não ver a sangria. O rapaz da rosa também não se viu mais. Dizem até que os dois fugiram juntos. O valente ouviu alguns conselhos do padre, que disse ter visto em tal estória um chamado para o tal rapaz. Foi para o seminário, vai virar Padre!

Augusto Cesar Seifert & Pedro Henrique Leite.
Maio de 2006.

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