Por Lucas Carniel
"Eu pratiquei o vício solitário..." Era assim que os rapazolas resfolegavam aos sussurros nas sombras do confessionário. ("Masturbação" é um termo meio feio que só apareceu muitos anos depois.) "Vício solitário" dava a ideia de uma tristeza doce (quem sabe até melancólica) e humilhante. Lembro-me bem dos jovens seminaristas morrendo de tesão pelas mães dos colegas de seminário, que iam ao colégio com blusinhas e saias, sem contar o batom vermelho nos lábios carnudos e os sedosos cabelos louros , todas imitando os símbolos sexuais da época, como Marilyn Monroe e Jane Russell enquanto os futuros disseminadores das palavras de Deus lançavam aqueles olhares lânguidos, recheados de desejo e entravam em vertigem. Eu via, via tudo, do meu canto de menino. Que faziam eles para fugir do "vício solitário" às sombras das clausuras noturnas, em seus quartos onde só deviam professar a fé?Minha fé vacilava. Será possível que esse reles prazer de garoto fosse tão pecaminoso? Já não era o suficiente as mulheres e meninas inalcançáveis? O sexo era um crime irresistível e muito, muito prazeroso, talvez até mais para nós, pobres seminaristas, que com certeza jamais conheceriam o que o coito traz de melhor. Prazer, prazer, prazer, prazer estas palavras fulminavam em nossas mentes como se fossem feitas de gás neon verde e vermelho. Era de se convir que Deus e suas negras e ridículas batinas negras perdiam feio para Angelita Martinez (a mulher mais "gostosa" do mundo) ou para Virginia Lane. Eu rezava para ter fé e controlar a vontade própria de minha... outra cabeça, podemos colocar nestes termos, mesmo que sejam um tanto pornográficos. O padre olhava com vistas experientes minhas acnes como um cão de guarda raivoso: "As espinhas aumentaram nas férias, hein?..." Eu esfregava Lugolina na cara para esconder aqueles verdadeiras tumores que nasciam em minha cara com uma velocidade incrível e que mais tarde, já fora do seminário e sem ter que controlar como antes meus ímpetos sexuais, descobri que nada tinha a ver com o vício solitário. "Você sabe por que o vício solitário é um pecado mortal?", indagava o padre. "Porque cada vez que você o pratica, são milhões ("milhõessss!", ele repetia) de seres humanos que poderiam descobrir a maravilha que é a vida e que morrem na vala comum do papel higiênico, na cloaca dos esgotos ou no vazio dos pisos dos banheiros!". Minha culpa era total, além de marcado para arder no fogo eterno do inferno e ser detestado pelo Criador e além da humilhação de ver as meninas do Colégio Jacobina passando intocadas com suas bundinhas lindas e pequenos seios que já desbotavam de blusinhas de lãs, apontando o biquinho e anunciando o tamanho volumoso que teriam no futuro e que com certeza seriam o alvo de "homenagens" e "vícios solitários" de muitos outros pobres coitados, além de ver com desespero os primeiros biquinis em Copacabana, eu era um assassino de milhões, talvez bilhões. Por Cristo, não havia jeito, eu estava perdido! Eu era uma espécie de Hitler, serial killer de pobres inocentes que jamais descobririam os prazeres da vida, além do mais e o pior de todos os problemas que um adolescente seminarista dos anos 50, não comia ninguém, absolutamente ninguém, a não ser em minha mente e no frio mármore dos banheiros do seminário. E, com a culpa na alma, matei milhões de homens no banheiro, nações inteiras foram exterminadas por minha mão assassina e impiedosa. Minha fé derretia como uma vela acesa de dia de Finados no fim de novembro. O padre berrava no púlpito: "Tua alma vai para o inferno queimar no fogo... por toda a eternidade, herege!" "Eter-ni-daaaaade!" ecoava pelos espaços siderais e eu questionava a doutrina. Deus me parecia violentíssimo, nos obrigando a queimar para sempre, por nada. E aí surgia a pergunta agnóstica que acabava com a fé dos garotos:"Deus é infinitamente bom?", perguntávamos. "Sim, infinitamente"."Ele sabe tudo que vai acontecer?" "Sim...", respondia o padre, já desconfiado."Então, se ele sabe que o cara vai pecar e vai para o inferno, por que ele cria o cara?". Nenhum padre me respondeu essa questão ateia, até hoje. Mas, minha fé resistia, mesmo assim. Eu me perdia em discussões metafísicas com amigos diante do mar, minha alma se evolava para o espaço sideral, já que as doces mulatas do Rio não eram para os meus virgens beiços.
Antes da pílula, ninguém dava. O pânico das meninas era a gravidez. Por isso, muito se exigia dos pecadores solitários. Não havia ainda as revistas de sexo (invejo os jovens de hoje, com suas playboys e milhares de outras, com fotos cada vez mais ousados e sexys e maravilhosas e, e, e ... melhor parar por aqui) , mas apenas frigidas suecas em monocromia azul e preta deitadas em "Saúde e Nudismo", se bem que já surgira o grande Carlos Zéfiro, criador da masturbação "art deco". As fantasias eróticas eram narrativas. Pensávamos em professoras, nas mães, irmãs, primas gostosas dos outros. Os orgasmos eram literários: tinham personagens, conflitos, apoteoses. Masturbação era texto; hoje é videoclipe. Com as modernas revistas pornográficas, diminuiu muito a imaginação criadora dos descascadores de banana. Nossas fantasias hoje estão aquém das imagens da "indústria da sacanagem". Somos masturbados por ela. Um dia, chegou um padre novo, "moderno", diziam. Esperança. O padre falava uns palavrões, falava em "esperma", em órgãos sexuais. Era jovem e jogava futebol conosco (muitos anos depois, vi-o sem batina vagando pelo Posto 6). Achei que minha fé se fortaleceria, com um padre mais democrático e bom goleador. Devia haver um Deus mais solar, não tão negro e triste como queriam os velhos jesuítas. Até que um dia, o padre (nos falava de livros, filmes) nos contou uma das histórias cristãs mais belas (a seu ver) sobre a sexualidade juvenil. Tínhamos o quê? Uns 13, 14 anos. Era a história de um rapaz escoteiro, virgem, de 18 anos, forte e bonito, que estava fazendo um acampamento no Havaí. Uma tarde, ele sai a cavalo pelas praias galopando, feliz em sua castidade. Aí, resolve parar na areia branca, para descansar.Eis que... (ouvíamos em suspense) surge uma linda mulher havaiana (linda? hahaha em minha mente já infestada de imagens sexuais ela era alta, olhos verdes, bundinha empinada, peitos estourando para fora da regata extremamente decotada) , seminua, coberta de flores (o padre se esmerava em caprichar nos detalhes mais eróticos, ciente dos pensamentos que provocava em nós), que se aproxima do nosso herói virgem na areia e começa a dançar a hula-hula diante dele, sorrindo e se oferecendo sem o mínimo de pudor. Ouvíamos sem ar, constelados de espinhas e cravos. O padre continuava: "Eis que nosso herói fica fascinado pela linda havaiana e, apaixonado, febril, amolece como num sonho e vai cedendo à tentação (nossa esperança aumentava a cada palavra do padre). Até que a moça morena e cheia de curvas generosas chega bem perto dele, dançando, e lhe oferece os lábios carnudos e vermelhos". Tiritávamos de excitação com ‘aquele’ volume estourando em nossas batinas (pense, uns cinquenta adolescentes, todos de batina, ouvindo uma história daquelas, era de morrer bem louco). "Foi então que se deu o milagre!", berrou o padre, eufórico. "Nosso herói, à beira do colapso, reuniu suas últimas forças e, rezando padres-nossos e ave-marias, pulou no cavalo e saiu galopando o mais rápido que as patas do pangaré permitiam para longe da havaiana. "E ficou casto e puro!", bramia o padre. "Venceu a tentação!". Nosso silêncio foi brutal e desesperado. Dava para ouvir a indignação e o ateísmo lavrando como fogo entre os alunos solitários em seus vícios. E foi assim. Minha fé morreu ali, naquela sala de aula jesuíta no fim dos anos 50.
*Texto original do jornalista e cineasta Arnaldo Jabor, porém, com algumas modificações (principalmente nos detalhes mais calientes) por este novato e entusiasmado blogueiro rssss
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